domingo, 1 de novembro de 2015

Necessidades urgentes.

Para ler ouvindo:


Preciso colocar cordas novas em meu violão.
Preciso voltar a aquecer as fibras da minha garganta.
Preciso ter interesse no outro.
Preciso me olhar.
Preciso ver o mundo.
Preciso, em algum lugar do mundo, me encontrar.

terça-feira, 31 de março de 2015

Carta aberta ao meu futuro amor e àquele que virá depois.

Para ler ouvindo:


Falta-me um nome para a saudação com as quais as cartas tradicionais se iniciam. Ou pelo menos as antigas, do tempo em que as cartas eram escritas a mão em papel por muitas vezes escolhido com a exigência na medida do afeto que se tinha ao destinatário, e postadas como se levassem junto um pedaço do remetente que o cedia de forma altruísta. Não sei se devo me valer de "querido ..." ou "amado ..." ou qualquer outro adjetivo pois a escolha do mesmo depende da forma como essa relação possa se dar e como ela vai me modificar pra melhor ou pior. Da mesma forma você, meu futuro amor, também não sabe o resultado da química que se dará entre nós. E é tentando facilitar um primeiro contato, que talvez aconteça, que eu escrevo essas.
Primeiramente quero dizer que não é necessária a sua existência, o que faria desta carta uma literatura ainda mais inútil, visto que às coisas do coração não se devem ditar prólogos ou instruções. O que quero dizer com isso é que se não houver um amor ao qual essa carta está sendo destinada eu continuarei a viver normalmente a vida que me cabe.
Então saiba, meu amor, que eu colocarei o amor que eu tenho por mim, mesmo que por muitas vezes vacilante, acima do qual eu te darei. E por esse amor vacilar até comigo saiba que suas expectativas terão que ser divididas ao meio. Saiba também que o seu amor ficará abaixo de alguns que têm o meu sangue, mas não todos logicamente.
Fique ciente, meu sublime amor, de que antes de você meu coração já teve seu ritmo alterado por outros. Algumas vezes o meu coração e o dele bateram no mesmo tom e numa rara exceção eles alcançaram uma harmonia mas na maioria das vezes a melodia foi descompassada. Porque eu erro muito. E é por isso que, meu compreensível amor, você terá que lidar com o fato de eu ser um errante nato.
E como quando há dois (ou mais) envolvidos não se pode haver direitos a apenas uma das partes, eu prometo, meu perdoado amor, entender o seu passado da mesma forma que você entenderá o meu. Que você amou e errou na mesma ou em maior ou em menor intensidade que eu.
Saiba, meu vindouro amor, que eu não acredito na longevidade da nossa união e uso como lema a quarta estrofe do famoso soneto do poeta meu homônimo. Porque nossa união se dará por um breve momento da existência universal e por isso seria muito esperar algo mais duradouro durante a nossa existência, por vezes arrastada por amarras às quais nos prendemos por querer. A sua compreensão dessas palavras tornarão esse período, se não mais extenso, mais digno de recordação e saudade. Pois só se tem saudade do que foi bom.
Assim dito, meu sensato amor, te acolherei em meu leito e dentro do meu peito e durante esses momentos serei teu. Mas nunca se esqueça que, acima de tudo, sou só meu.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A droga da felicidade.

Para ler ouvindo:


Existe uma droga que nos é ministrada de forma lícita desde muito cedo na nossa vida. Inicialmente não pagamos por ela. Ela nos é dada de graça por aqueles que dizem que nos amam. Em nossa inocência infantil a experimentamos e logo no primeiro contato é que se contrai o vício. Geralmente isso acontece logo que chegamos ao colo materno depois de enfrentar meses de escuridão.

A felicidade é a droga que irá impulsionar todas as ações da nossa vida.

Ela é uma droga maligna pois vai se transformando junto com a gente: quando somos pequenos ela pode ser encontrada num sorvete, quando jovem numa aventura e quando mais velhos em muitas coisas diferentes que a própria procura por essa droga pode nos levar.

É difícil saber quando estamos a injetar uma dose dela. Ás vezes só percebemos depois que o efeito passou.

O seu efeito é de leveza. Entra-se num êxtase onde tudo a sua volta fica mais colorido, onde a vida parece merecer ser vivida. Até as pessoas melhoram durante esses momentos de alucinação. Mas esse efeito passa, e, pela sua qualidade de proporcionador de prazer, passa muito mais rápido do que esperávamos.

Começa logo em seguida a pior crise de abstinência que existe. Se anseia por voltar a sentir tudo aquilo novamente, ou mais, por mais tempo. Lembrar de um momento de felicidade faz você sentir dores no peito que você sabe que são psicológicas mas que a nossa cultura de homem desenvolvido socialmente fez com que elas ficassem agudas ali do lado esquerdo da parte superior do tórax. Outro sintoma da fase de abstinência são os sorrisos para o quarto vazio e ás vezes aquela lágrima solitária que brota em um dos olhos.

Então você parte para buscar mais. Mas nunca é o mesmo fornecedor. Nunca vem do mesmo lugar. Então nos embrenhamos numa jornada vitalícia em busca dessa sensação sem saber ao certo quando e onde vamos novamente encontrá-la. A vida é, no final das contas, anos e anos de peregrinação atrás de um sentimento que dura poucas horas.